A Infância de Mojica e o preságio da Sexta-Feira 13
José Mojica Marins, filho dos artistas circenses Antonio André e Carmen Marins, nasceu em 13 de março de 1936, em Vila Mariana, nas imediações de São Paulo, numa sexta-feira 13. Seus pais eram espanhóis e haviam emigrado para o Brasil poucos anos antes de seu nascimento.
Desde cedo, Mojica esteve imerso em um ambiente rico em arte e criatividade, uma influência marcante de seus pais. Aos 4 anos, sua família se mudou para a Vila Anastácio, um bairro que se tornou lar para imigrantes de diversas nacionalidades. Foi lá que Mojica, ainda antes de dominar completamente o português, já demonstrava uma habilidade linguística peculiar, conforme relatado por seus biógrafos André Barcinski e Ivan Finotti. Curiosamente, Mojica tinha a capacidade de “xingar a mãe dos outros em seis idiomas diferentes”.
Reconhecido desde cedo por seu talento e criatividade, Mojica teve o apoio incondicional de seus pais, que chegaram a vender móveis da própria casa para financiar os primeiros passos de seu filho no cinema. Aos 9 anos, já manifestava sua veia artística, criando marionetes e dirigindo peças teatrais escolares. Essa fase inicial foi marcada por um episódio significativo, quando foi elogiado por Mazzaropi, um renomado artista de circo itinerante, após vencer um concurso de canto, onde recebeu como prêmio uma capa de toureiro.
A estreia de Mojica e a invasão de “O Juízo Final”
Popular entre os moradores de seu bairro desde jovem, José Mojica Marins demonstrou uma paixão precoce pelo cinema, fundando um grupo com amigos para criar filmes. Aos 12 anos, utilizando uma câmera de 8mm presenteada por seu pai, Mojica dirigiu “O Juízo Final” em 1949, uma obra de ficção científica que narrava uma invasão alienígena. Esse projeto inicial marcou o começo de sua jornada no mundo cinematográfico, revelando desde cedo seu talento e dedicação ao cinema. Com o tempo, essa paixão inicial se desenvolveu em algo maior, levando-o a adotar um visual mais maduro, com bigode, e a apresentar-se como mais velho, estratégias que utilizou para conferir credibilidade ao seu trabalho.
Aos 17 anos, esse ímpeto criativo culminou na fundação oficial da Companhia Cinematográfica Atlas. “A Sina do Aventureiro”, seu primeiro longa-metragem lançado em 1958, foi o resultado desse esforço, estabelecendo Mojica como uma figura promissora no cinema nacional.
Sonhos sombrios e destinos entrelaçados: A origem noturna de Zé do Caixão por Mojica
Em 1963, enquanto José Mojica Marins trabalhava no projeto de “Meu Destino em Tuas Mãos” e buscava a colaboração do cineasta Ozualdo Candeias para o roteiro, um pesadelo profundamente transformador veio até ele. Em um sonho perturbador, Mojica se via arrastado por um jardim que, em uma revelação sombria, se mostrava ser um cemitério.
Ele era conduzido por uma figura soturna e sombria que, em um momento crucial do pesadelo, revelava um rosto familiar: era o próprio Mojica, levando-se à sua própria lápide. Esse momento de terror noturno foi a semente para a criação de Zé do Caixão, um personagem que se tornaria central em sua obra mais conhecida.
Nascimento de um anti-herói: ‘À Meia-Noite Levarei Sua Alma’ e a ascensão de Zé do Caixão
A primeira aparição do Zé do Caixão no cinema aconteceu com “À Meia-Noite Levarei Sua Alma”, de 1964. Este filme não apenas causou um impacto significativo pela sua abordagem ousada do terror, mas também introduziu ao público um vilão amoral e niilista, obcecado pela ideia de procriação como forma de imortalidade. A criação deste filme teve um início peculiar e desafiador. José Mojica Marins, à época dono de uma escola de atores, utilizou recursos criativos para a produção. Os alunos da escola, empolgados com o projeto, “sequestraram” diversas árvores e arbustos do bairro para construir uma floresta dentro do estúdio, um esforço que se provou frutífero e contribuiu para o sucesso estrondoso do filme.
Entretanto, apesar do sucesso, Mojica enfrentou dificuldades financeiras significativas devido à produção. No desespero de conseguir dinheiro para rodar o filme, ele vendeu os direitos do filme para outra pessoa, o que resultou em não ver um centavo dos lucros que o filme viria a gerar. Esta obra marcou o início de uma saga que se estenderia por décadas, estabelecendo Mojica não apenas no papel principal, mas também como diretor e co-roteirista.
Segundo o site oficial do personagem, Zé do Caixão, cujo nome verdadeiro seria Josefel Zanatas, é filho de um casal dono de uma rede de agências funerárias, o que explica sua familiaridade e conforto com a morte desde muito cedo. Crescendo como uma criança solitária e muitas vezes discriminada por causa da profissão dos pais, Zé do Caixão desenvolveu uma personalidade única, caracterizada por sua descrença tanto em Deus quanto no diabo, confiando apenas em si mesmo para fazer justiça.
Zé do Caixão é conhecido por seu visual distintivo, inspirado em personagens clássicos de terror como Drácula e Nosferatu, mas com características únicas que refletem as tradições brasileiras. As longas unhas e o traje negro elegante combinam-se a uma filosofia niilista, tornando-o uma figura tanto repulsiva quanto magneticamente atraente
Desafiando a ditadura com Cinemascope e a arte do terror
José Mojica Marins, ao longo dos anos 60 e 70, enfrentou diretamente a repressão e censura impostas pela ditadura militar brasileira. Esse período, no entanto, não o impediu de criar obras marcantes e provocativas, como “Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver” (1967) e “O Ritual dos Sádicos” (1970). Estes filmes, que exploravam temáticas densas como morte, niilismo, e a incessante busca pela perfeição humana, solidificaram a posição de Mojica como um cineasta de perspectiva única, desafiando constantemente os limites impostos ao cinema brasileiro de sua época.
Em meio a essa trajetória de inovação e resistência, Mojica também se aventurou na técnica do Cinemascope, tornando-se pioneiro no Brasil com o filme “A Sina do Aventureiro”. Esta iniciativa, porém, também encontrou obstáculos: o filme foi censurado para menores de 18 anos, um reflexo das restrições severas da censura da época, que limitaram bastante seu sucesso de bilheteria.
Fusão e confusão: Como Zé do Caixão e Mojica se tornaram um único ícone
A medida que o personagem Zé do Caixão ganhava notoriedade, começou a ocorrer uma interessante fusão entre o criador e a criatura, ao ponto de Mojica ser frequentemente confundido com seu próprio personagem. Essa confusão transcendeu as telas dos cinemas e se estendeu à televisão na década de 1990, quando Zé do Caixão se tornou o anfitrião do “Cine Trash”, na Rede Bandeirantes, um programa que exibia filmes de terror, consolidando ainda mais a associação entre Mojica e seu personagem icônico.
Temas extraordinários e gafes memoráveis no “Estranho Mundo de Zé do Caixão”
José Mojica Marins, além de ser um pioneiro na direção de filmes de terror, destacou-se como uma verdadeira lenda no universo da multimídia no Brasil, muito antes do conceito de “transmídia” se popularizar. Em 2008, ele ampliou sua influência cultural ao apresentar “O Estranho Mundo do Zé do Caixão” no Canal Brasil, programa que durou sete temporadas e explorou um mix de entretenimento com profundas discussões, imbuídas do característico humor negro de seu icônico personagem.
“O Estranho Mundo de Zé do Caixão” se consolidou como um espaço onde os convidados compartilhavam abertamente experiências extraordinárias, desde encontros com o paranormal até histórias com seres extraterrestres. O próprio Zé do Caixão, sempre fiel à sua persona, acrescentava uma dose de humor inadvertido ao confundir os nomes dos entrevistados, o que apenas enriquecia a atmosfera única do programa. Exemplos memoráveis dessa prática incluem referir-se a Inri Cristo como “Henry”, Lorena Calábria como Lilian Calabresa e Emicida como “o cantor Homicida”, revelando a espontaneidade e o carisma que definiam o show. Esses momentos hilários, compartilhados por André Barcinski, diretor do programa, ilustram a habilidade de Mojica em criar um ambiente onde o inesperado se tornava o esperado.
Pioneirismo na transmídia, do cinema a cosméticos e quadrinhos
Esta expansão do trabalho de Mojica para além do cinema é um testemunho de sua capacidade de impactar através de várias plataformas — desde cinema, TV, livros, rádio e quadrinhos, incluindo a criação do personagem “José Canjica” por Maurício de Souza na Turma da Mônica, até inusitadas linhas de cosméticos e bebidas associadas a Zé do Caixão. Os autores de sua biografia “Maldito”, publicada pela editora Darkside, descrevem Mojica como “o maior artista multimídia da história do Brasil”.
Após um período de menor visibilidade, Mojica fez um retorno triunfal em 2008 com “Encarnação do Demônio”, finalizando a trilogia que havia começado nos anos 60. Este filme não apenas revigorou o interesse por seu trabalho, mas também reafirmou sua posição como um mestre do horror, capaz de adaptar seu estilo único para as novas gerações. Através dessas diversas facetas de sua carreira, Mojica mostrou sua versatilidade como artista e sua habilidade em manter-se relevante em diferentes meios, sempre trazendo algo novo e excitante para seu público.
Entre reclusão e fake news, uma morte anunciada… Falsamente!
Mojica manteve-se recluso a partir de 2015 devido a problemas de saúde. Sua luta contra as adversidades ganhou um episódio marcante em 2018, dois anos antes de sua morte, quando ele expressou sua indignação com uma fake news sobre seu falecimento. Essa fase de reclusão e o episódio específico ressaltam não apenas os desafios pessoais que Mojica enfrentou nos últimos anos de sua vida, mas também sua firmeza em defender sua integridade e legado até o fim.
Em um desabafo carregado de emoção e revestido da irreverência que sempre caracterizou sua personalidade, Mojica não poupou palavras em sua rede social: “E agora, realmente, a minha praga para os idiotas: Você que é um asno, imbecil e utiliza a dádiva da vida para azucrinar a vida dos outros plantando boatos, notícias falsas, procurando sempre prejudicar e denegrir a imagem de outras pessoas, que você receba tudo o que está plantando mil vezes potencializado, e que realmente tenha homéricas disenterias em público, até que saia toda a merda que reside em teu ser”, amaldiçoou ele. Essa reação fervorosa e irreverente contra as fake news não apenas ressalta a personalidade forte e intransigente de Mojica na defesa de sua integridade e legado, mas também sublinha sua capacidade de se expressar de forma única, misturando humor ácido e uma franca sinceridade ao abordar questões sérias.
O eterno legado de Zé do Caixão: Transcendendo fronteiras e gerações
José Mojica Marins, mais conhecido como Zé do Caixão, faleceu em 19 de fevereiro de 2020, aos 83 anos, devido a broncopneumonia em São Paulo. Com mais de 40 filmes em sua carreira, incluindo clássicos cult como “À Meia-Noite Levarei Sua Alma”, deixou um legado inestimável no cinema brasileiro.
Em 2023, sua importância internacional foi reconhecida com o lançamento da coletânea em Blu-ray “Inside the Mind of Coffin Joe” pela Arrow Video, permitindo que novas gerações acessem sua obra única. Mojica criou um legado que transcende fronteiras, combinando horror, filosofia e crítica social, garantindo que a saga de Zé do Caixão continue a assombrar, fascinar e inspirar públicos em todo o mundo.
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