Desde sua fundação em 18 de setembro de 1941, no Rio de Janeiro, pela visionária dupla Moacyr Fenelon e José Carlos Burle, a Atlântida Cinematográfica se tornou sinônimo de inovação e sucesso, produzindo 66 filmes até 1962. Nascida em um período de euforia pela produção nacional, a empresa se destacou especialmente nas décadas de 1940 e 1950, período no qual consolidou o gênero chanchada, com obras que mesclavam comédia, música e crítica social, refletindo a identidade cultural brasileira.
O Alvorecer da Atlântida através dos Cinejornais
Os primeiros passos da Atlântida foram dados em condições modestas, em um pequeno estúdio na sede do Jornal do Brasil, graças à ligação dos fundadores com o meio jornalístico. Durante os dois primeiros anos de sua fundação, a produtora concentrou-se na produção de cinejornais, iniciando sua jornada no cenário cinematográfico brasileiro com o lançamento de “Atualidades Atlântida”. Este primeiro projeto foi seguido pela estreia de seu primeiro longa-metragem em 1942, um documentário-reportagem sobre o IV Congresso Eucarístico Nacional em São Paulo.
Como complemento a essa nova abordagem, foi lançado também o média-metragem “Astros em Desfile”, uma espécie de parada musical que contou com a participação de artistas populares da época. Este período de experimentação inicial e de familiarização com o meio audiovisual pavimentou o caminho para uma diversificação significativa na produção da Atlântida, marcando o início de uma trajetória de inovação e sucesso no cinema nacional.
Evolução da Atlântida Cinematográfica: De “Moleque Tião” à diversificação e inovação no cinema brasileiro
Em 1943, a Atlântida lançou “Moleque Tião”, seu primeiro grande sucesso e também o marco inicial de sua distribuição comercial, com o lançamento ocorrendo no Cinema Vitória, na cidade do Rio de Janeiro. Este drama, dirigido e escrito por José Carlos Burle em colaboração com Alinor Azevedo, não apenas solidificou a posição da produtora no mercado, como também a estabeleceu como a maior produtora de filmes do Brasil. Importante por várias razões, “Moleque Tião” foi o primeiro filme em que Grande Otelo assumiu o papel de protagonista e também a estreia de Burle como diretor.
Até onde se sabe, o filme é considerado perdido, sem cópias conhecidas existentes, embora seja possível encontrar uma gravação dos bastidores no YouTube, que apresenta Grande Otelo, Lurdinha Bittencourt e Custódio Mesquita.
Este lançamento significativo marcou o início da jornada da Atlântida Cinematográfica na diversificação de sua produção, aventurando-se em longas e médias-metragens de ficção em 35mm. As obras produzidas nesse período, que incluem “Moleque Tião” e “É Proibido Sonhar”, revelaram a tendência da Atlântida de incorporar elementos da cultura brasileira em suas narrativas, definindo assim sua identidade e contribuição para o cinema nacional.
A popularidade do gênero chanchada foi um marco na trajetória da Atlântida, com filmes de baixo custo e grande apelo popular como “Nem Sansão nem Dalila”, “Matar ou Correr” de Carlos Manga, e “Aviso aos navegantes” de Watson Macedo, com Anselmo Duarte no elenco. Essas produções não apenas dominaram o mercado cinematográfico brasileiro até meados da década de 1950, mas também foram fundamentais na promoção de artistas como Grande Otelo, Oscarito, Zé Trindade, Cyl Farney, Eliana Macedo, Julie Bardot, e Fada Santoro, tornando-os ícones do cinema nacional.
Ascensão e reinado: A transformação da Atlântida sob a liderança de Luiz Severiano Ribeiro Jr.
Em 1947, um evento crucial marcou ainda mais a ascendência da Atlântida no cenário cinematográfico nacional: o ingresso de Luiz Severiano Ribeiro Jr., o maior exibidor nacional, na empresa. Não demorou para que Ribeiro Jr. chegasse ao comando, concentrando em suas mãos a produção, a distribuição e a exibição de filmes. Esta estratégia transformou a Atlântida em uma empresa extremamente lucrativa, fortalecendo sua posição de liderança no cinema brasileiro e ampliando sua capacidade de influenciar o mercado com inovações técnicas, narrativas e a promoção de talentos nacionais.
Uma ponte entre a música e o cinema brasileiro
Além de consolidar as carreiras desses ícones da atuação, a Atlântida desempenhou um papel crucial ao levar ao público a imagem em movimento de cantores que dominavam o mercado fonográfico brasileiro, como Cármen Miranda, Francisco Alves, Emilinha Borba, Ivon Curi, e Alvarenga e Ranchinho. Até então, esses artistas eram conhecidos majoritariamente por suas fotos em revistas, e a produtora permitiu que o público finalmente os visse em ação. Além dos cantores, os filmes da Atlântida serviram de plataforma para a ascensão de músicos talentosos como Radamés Gnattali, Lírio Paricali, Léo Perachi e Lindolfo Gaia, enriquecendo ainda mais a experiência musical e cultural oferecida ao público brasileiro.
Renascimento da Atlântida após o incêndio de 1952
A trajetória ascendente da Atlântida, no entanto, enfrentou um duro golpe no dia 2 de novembro de 1952. Nesse dia, um incêndio de grandes proporções destruiu parte significativa de seus estúdios e acervo, incluindo filmes que estavam em produção. O depósito dos estúdios foi particularmente afetado, sendo bastante destruído. Contudo, foi possível salvar apenas três filmes já rodados: “Três Vagabundos” e “Meu Amigo Bicheiro“, estrelados por Oscarito e Grande Otelo, além de “Casa da Perdição”, com María Antonieta Pons.
Infelizmente, o sinistro não deixou apenas danos materiais, resultando também em uma vítima fatal, o vigia do estúdio. Apesar desse revés, a produtora soube se reerguer, continuando a influenciar o cinema brasileiro com inovações técnicas e narrativas. Este evento marcante, embora trágico, não deteve o ímpeto criativo e a resiliência da Atlântida, que manteve seu papel crucial no desenvolvimento da indústria cinematográfica nacional.
Carlos Manga: Da revolução das Chanchadas na Atlântida à inovação na televisão brasileira
Sob a direção de Carlos Manga, a Atlântida Cinematográfica vivenciou uma era de inovação nas chanchadas, integrando técnicas avançadas como iluminação moderna e cenários externos, além de aprofundar a complexidade de personagens e enredos. Esta fase de renovação não apenas revitalizou o cinema brasileiro, mas também forneceu a Manga uma base sólida para suas futuras contribuições na televisão.
Posteriormente, ele viria a aplicar as experiências acumuladas e as técnicas aprendidas na Atlântida para revolucionar a televisão brasileira. Manga foi pioneiro ao introduzir truques de vídeo-tape no “Chico Anysio Show” na TV Rio, marcando a primeira vez que tal tecnologia foi utilizada em programas televisivos brasileiros, que até então eram gravados “ao vivo”. Essa inovação abriu caminho para que Manga continuasse a influenciar o meio, liderando projetos em emissoras como a TV Excelsior e a TV Record e colaborando com figuras renomadas como Manoel Carlos e Jô Soares.
Sua transição e sucesso na televisão evidenciam como as competências desenvolvidas na Atlântida foram cruciais para inovar e enriquecer a mídia televisiva brasileira.
A despeito dos desafios enfrentados ao longo de sua existência, incluindo o declínio do gênero chanchada e as mudanças culturais e tecnológicas que afetaram a indústria cinematográfica, a Atlântida encerrou suas atividades em 1983, deixando um legado gigante na história do cinema nacional. Sua trajetória não apenas reflete a evolução do cinema brasileiro, mas também demonstra a capacidade de reinvenção e a criatividade dos artistas e profissionais envolvidos, perpetuando-se na memória dos apreciadores da sétima arte como uma verdadeira fábrica de sonhos.
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